Um dia no terreiro eu vi Dois Orixás dançarem.

Sabe, houve um tempo, Em um tempo muito no passado, em que Oxum foi apaixonada por Oxóssi.

Ele sempre foi muito bonito, Muito galante, alto e forte, e mesmo sendo homem feito ele ainda assim tinha um Q de moleque.

O rio dela era na mata e a mata era a casa dele, e lá eles se viam.

E lá eles namoraram.

Era amor jovem, amor puro e sem interesse.

Esse é o amor mais doce de todos, mas também o mais frágil.

Ele tinha uma visão de mundo muito diferente da dela.

Oxóssi não era rico, e não era simplesmente porque Não queria ser.

Ele gostava de viver no mato, de dormir em esteira sob o luar, de caçar e de dar a caça ao povo.

Ele era bicho solto, E podia ter ficado muito rico, Pois tudo que colocava a mão tinha fartura, mas ele sempre achou que vida boa era a vida simples.

Mas ela não pensava assim.

Oxum nasceu para o ouro e para as riquezas.

Oxum não nasceu para dormir olhando para a lua, ela gosta é de dormir dentro do quarto mais suntuoso do palácio e de sentar no trono.

Gosta que as pessoas olhem para ela e saibam que é soberana.

Um dia na beira do rio ela sentou ao lado de Oxóssi e olhou atentamente para o rosto dele, o queixo quadrado, os olhos grandes e ávidos.

Ele a fez rir contando uma de suas muitas besteiras, mas no fim fez a ela uma pergunta que a pegou de surpresa.

“Você casa comigo?”

E ela ouviu aquilo e teve vontade de dizer sim, mas então pensou, e ela pensou no que queria da vida.

Oxóssi podia dar o maior amor do mundo, mas ela não veio a esse mundo atrás de amor, ela veio para ser grande.

Então sorriu para ele, um sorriso sem graça, balançou a cabeça bem devagarinho, de um lado para um outro dizendo que não.

Ele as vezes finge que é burro, finge pra fazer graça, mas de burro não tem nada, assim não precisou perguntar o motivo da negativa, ele no fundo já sabia.

Ela se levantou, o beijou e partiu.

Os anos se passaram e ele soube que ela se casou com um Rei.

Soube também que ela havia se tornado uma Rainha, e ele soube que a soberania e riqueza dela se espalhavam por tantas terras e tantos povos que ela de fato havia se tornado grande.

Ela era agora “amawaro”, a que detém grande sabedoria.

Ela era agora “Aladekoju”, a que usa uma coroa que oculta os olhos.

Ela era agora “Otooro Efon” a que se originou nas terras montanhosas.

Ela era Ipondá.

E ele sentia falta dela.

Sempre sentiu falta dela.

O tempo passa, e o tempo engole o próprio tempo.

Quantos milénios se passaram de lá para cá?

Eu não não sei.

E assim um dia eu vi em um terreiro de candomblé Oxum dançar.

Estava ali incorporada em uma moça bonita, com uma belíssima roupa dourada, coroa alta com chorão de correntinhas douradas cobrindo o rosto, pulseiras sem fim que tilintavam durante a dança.

Ela dançava suavemente, tinha muita elegância.

Havia ali sentado em uma cadeira um rapaz Filho de Oxóssi.

Foi como um vento ligeiro, assim que Oxum passou dançando diante dele, logo ele estava em pé com os olhos fechados enquanto se inclinava para frente sacudindo os ombros e gritando alguma coisa aguda.

Não quis saber de frescura, tiraram-lhe a camisa e o sapato, dobraram as barras da calça e amarraram um pano
em seu peito.

Pronto, Oxóssi saracoteou para o meio da roda até ficar frente a frente com ela.

Ela vestida como a mais rica das damas e ele… ele sem nada.

A expressão séria do rosto da moça incorporada se amainou e o canto da boca se ergueu em um leve sorriso.

E ele? Ao som do ijexa dela ele saiu dançando todo Faceiro.

E ali ele não dançava para nós que estávamos assistindo, ele dançava para ela, só para ela, e o tom era de brincadeira.

Ela continuou dançando, Mas tinha hora que os Passos estabanados dele Eram tão rápidos que ela Simplesmente parava E esperava ele se acalmar Um pouco para depois tentar novamente acompanhar.

No fim quando os ogans Deram três batidas nos tambores A cantiga acabou, e Oxóssi foi até Oxum, a agarrou pela cintura e a suspendeu no ar Em um abraço apertado.

Foi engraçado de ver os pés pequeninos da moça visíveis na hora que ele a suspendeu,
E quando a colocou no chão oxum sorria suavemente, Mas sorria.

Sorria porque ninguém Se esquece do primeiro amor.

Sorria porque nem ela, tão deslumbrante como é, se esqueceu de Oxóssi

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