Certa vez, quando criança, passando em frente à uma casa de artigos religiosos, me deparei com uma imagem que me chamou atenção – após me borrar inteira de medo da imagem de exu mirim, com chifrinhos de diabinho fazendo sinal de paz e amor ( acho que já passou da hora de reformularmos essas imagens né?).

Mas o que me chamou atenção foi um santo cobertos de palha.

Nos seus pés tinha um pratinho com moedas e pães e ao lado uma cesta com pipoca.

Eu tinha uns sete anos e minha mãe tinha ido comprar enxofre em pó para um defumador que um preto velho receitou.

Olhei pros lados, e quando resolvi levantar as palhas, pra ver o que tinha por baixo, minha mãe me deu um tabefe ” Tá maluca, menina? Quem olha por debaixo das palhas de Omulu fica doente!”.

Cheguei em casa e fiquei horas me olhando no espelho pra ver se eu ia ficar doente

Aos dez anos comecei a ler e estudar sobre religião, juntava moedas da merenda pra comprar livros nessa mesma casa de artigos religiosos em Cascadura. Comprei um livro ( muito doido por sinal , as pessoas falam que na internet tem muita coisa ruim, mas tambem existe muito livro ruim) que falava sobre os orixás e lá estava o homem das palhas. Em sua definição dizia que ele era o Deus da Peste e da Varíola, e que morava no cemitério.

Meu interesse por ele só aumentou. Uns me diziam que ele se vestia de palha para esconder as feridas – e eu criança ainda pensava ” Tadinho, ter que esconder como realmente é ” – outros me diziam que ele se escondia porque não aguentariamos ver tanta luz e beleza – e eu criança pensava

“Tadinho, tão bonito e ter que viver sozinho”.

O fato é que eu não entendia aquela imagem coberta de palhas – e não aceitava que os outros Orixás eram legais que nem super heróis e Omulu e Exu pareciam vilões! Eu queria ver o que tinha ali por baixo. Até que um dia, afrontosa que sempre fui , pedi perdão mil vezes, entrei como quem não quer nada nessa loja que ele ficava, fiquei olhando de um lado pro outro e, quando ninguém prestava atenção, levantei as palhas.

Vi a imagem de um homem com um cajado, cheio de feridas na pele, com um cachorro lambendo.

Pensei “Realmente ele é cheio de feridas, mas esse é santo de igreja”.

Os anos passaram e eu fui numa saída de omulu numa casa de Ketu, aqui no Rio de Janeiro.

Quando o vi, meus olhos brilharam: eu nunca tinha visto nada mais lindo na minha vida.

Finalmente entendi o que tanto busquei: o porque meu apego desde criança por essas palhas.

É porque eu também as tenho.

Você que está lendo esse texto imenso, também as tem.

As pessoas só veem a nossa palha.

O íntimo de cada um só Deus e Orixá que sabe.

As vezes a gente usa essas palhas pra se proteger, em outras para encarar a vida – mesmo estando cheio de feridas. E essas feridas quando entendidas e cicatrizadas pelos ventos da mudança e das transformações ( Eparreyyyy) só nós torna mais belos.

Nós somos tudo aquilo que acreditamos, gostamos, lemos e oferecemos.

Nós somos os amores e desamores Gratidão e ingratidão.

As gargalhadas e as lágrimas.

A fé e a duvida.

Sucesso, tragedias, bondade, saudade que sente de um ente querido

A angústia por esperar um novo emprego, você é aquilo que você lembra, sente, guarda na memória. Você é a raiva que não conseguiu controlar, o beijo que deixou de dar, o ombro amigo que alguém precisa ter…

As vezes nem nós sabemos quem somos.

E para isso, atotô ( silencio) é preciso.

Você é milho de pipoca que se transforma no calor das tribulações da vida e virar flor de Omulu.

Você pode ser cabeça dura e ser aquele milho que não se transforma, vive no fundo da panela e não muda.

Você pode ser o que quiser e só você vai saber.

Escondidos pelo nosso axé, nós somos o que ninguém vê.

Atotô!

Texto Mãe Manu

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